Educação no Brasil: aprendizado ou adestramento?

As escolas no Brasil não educam, adestram.
Baseada no modelo prussiano inventado no século 18 e que passou a ser adotado em boa parte do mundo a partir do 19, a educação brasileira – principalmente a pública – continua sendo uma fábrica de produzir cidadãos com pensamentos padronizados e condutas estanques.
O modelo prussiano foi concebido visando preparar trabalhadores para as indústrias. As matérias, a carga horária, o sistema de notas, as cadeiras dispostas em fila, a rigidez hierárquica, o estímulo à competição, o “aprendizado” pela repetição, tudo foi planejado para transformar a escola em um simulacro do que as crianças e adolescentes encontrariam anos mais tardes, nas fábricas.
A individualidade, a criatividade, as emoções, os questionamentos existenciais ou metafísicos, o livre pensar, a generosidade, a autonomia, a busca por autoconhecimento, eram tolhidos e ridicularizados.
Afinal, para o Estado e as grandes corporações que financiavam os centros educacionais, qual a valia de ensinar Platão para alguém que vai passar a vida operando tornos e caldeiras ou analisando planilhas?
Mais de 200 anos se passaram e essa mecanização do ensino para formação de uma massa de cidadãos adestrados e fácil de manipular ainda vigora no Brasil (de forma um pouco menos alienante do que no passado, é bem verdade), mesmo nas escolas particulares.
O máximo que as instituições mais sofisticadas fizeram foi substituir o quadro negro pela lousa digital e os livros por tablets.
Na essência continuam sendo uma fábrica de produzir prussianos: preparam os alunos para as universidades ou centros técnicos, que os prepararão para o mercado de trabalho, que exigirá deles mais cursos de especialização, num ciclo sem fim.
Ok, a instrução contínua é algo positivo e necessário, mas como moldar alguém para o mercado de trabalho futuro se ninguém sabe ao certo quais serão as profissões demandadas daqui a 5, 10, 15 anos?
O Mundo VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo) no qual vivemos exige de nós um pacote parrudo de soft skills - equilíbrio emocional, flexibilidade, relações interpessoais, colaboração, comunicação, generosidade, empreendedorismo, autoconhecimento -, habilidades que a escola não oferece.
A modernidade líquida é o atestado de óbito do modelo prussiano, que, cá entre nós, teve seus bons momentos e deu condições de vida mais digna a bilhões de pessoas ao democratizar o acesso a um conhecimento antes exclusivo de uma casta social e também por estimular o espírito “kaizen” nas pessoas, mas trata-se de um conceito obsoleto, caduco, prescrito.
Hoje, uma nova escola com um novo repertório de competências pede passagem.
Uma egrégora baseada no livre pensar, na divergência de ideias, na criatividade, na inteligência emocional, na colaboração, no aprendizado em conjunto, que estimule a proposição de novas soluções para serem aplicadas na melhoria da vida da comunidade, na transformação das pessoas, no ganho coletivo.
Precisamos de escolas que quebrem paradigmas, sem divisão por salas, idade, notas ou matérias.
Não há necessidade de disciplinas rígidas, estanques, nem da decoreba de fórmulas e teorias, já que quase toda informação está disponível a um clique.
O que a nova escola precisa é mostrar para os alunos o que e como eles podem produzir a partir da combinação dessas informações.
Para isso, a nova escola precisa ser um ambiente amplo, pluralista, divergente, estimulante, onde grupos se formem por interesses, por projetos.
Eles irão aprender pela maneira mais óbvia e eficiente: fazendo, colocando a mão na massa, pondo em prática a máxima “diga-me e me esquecerei, mostre-me e me lembrarei, envolva-me e compreenderei”.
Simultaneamente, em uma mesma área será possível encontrar um grupo criando um aplicativo, outro construindo instrumentos musicais, outro aplicando fórmulas matemáticas para analisar o potencial de retorno de investimentos em criptomoedas, outro discutindo como nossa sociedade seria se não tivesse passado pela Revolução Agrícola, outro escrevendo o roteiro de uma série que será produzida pelos próprios alunos, outro treinando para o campeonato interescolar de vôlei, outro projetando a construção de um novo bairro autosustentável, outro aprendendo a fazer queijadinha.
Tudo muito experimental, sensorial, com brinquedos, ferramentas e equipamentos à disposição, orientados por professores de diferentes disciplinas (termo que, nesta nova escola, será chamado de especialidade) trabalhando juntos. Também haverá atividades que despertem a autoconsciência, como meditação, yoga e tai-chi.
Nessa nova escola não há matérias fixas nem carga horária rígidas. Logicamente, os menores, que ainda não foram alfabetizados, que ainda não tiveram acesso à formação básica de matemática, biologia, ciências sociais, etc, farão parte de um outro grupo, onde receberão esse conhecimento preliminar, necessário para a etapa seguinte.
Mas depois de uma determinada idade, o aluno “montará a sua grade” e pode participar dos projetos que quiser, pelo tempo necessário. Aliás, ele mesmo pode propor projetos e angariar participantes.
Dessa forma os alunos aprenderão a ter autonomia, a gerenciar projetos, a assumir responsabilidades, a empreender por vontade própria, a trabalhar em equipe, a desempenhar funções diferentes, a desenvolver habilidades interpessoais, a estabelecer prioridades e a buscar objetivos relevantes para a aplicação de seu tempo, para dar um sentindo à sua existência.
Assim, eles estarão mais aptos para viver em nossa nova realidade, na qual não haverá mais trabalho com carteira assinada nem estabilidade empregatícia e as pessoas, ao longo da vida, poderão ter três, quatro, cinco, quantas ocupações diferentes quiser. Afinal, todo o conteúdo que ela quiser aprender estará disponível. Ela só precisa acessá-lo, assimilá-lo e praticá-lo.
Nesta nova escola não há necessidade de avaliações, de exames. Mas se por comum acordo escola, pais e alunos decidirem adotar alguma métrica para avaliar os resultados, que sejam baseados em conceitos como cooperação, liderança, criatividade, generosidade e não em uma escala de 1 a 10.
Se você acha que essa nova escola é coisa de nefelibata, de gente que vive no Mundo de Bob, saiba que no Brasil e em outros países há vários exemplos de instituições que usam metodologia semelhante, como a Green School (Indonésia), Colégio Fontan Capitain (Colômbia), Escola Democrática de Hadera (Israel), a Escola Dels Encants (Espanha), Bath Studio School (Inglaterra), La Cecilia (Argentina), Escola Nave (Brasil)...
Se você quiser saber mais sobre essas escolas, assista à série “Escolas Inovadoras”, disponível no youtube do Canal Futura.
Sabemos que a criação deste novo modelo não é um processo simples, levará tempo. Ele implicará em mudanças de mindset, estrutura física, relação entre pessoas e muitos mais. Haverá resistências, mas essa nova escola urge e para isso é mais do que necessário o envolvimento de toda a sociedade.
Vamos dar o primeiro passo rumo ao futuro de nosso mundo juntos?
Denis Zanini Lima
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